segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Shantiti - Capítulo 4 (Relbier Oliveira)



─ A única mulher que amei de verdade me traiu. Nunca me amou. Apenas me usou para tentar esquecer aquele que ela julgava ser o grande amor da sua vida desde os tempos da mais tenra adolescência. Me deixou um filho desse cara quando resolveu amar de verdade uma outra pessoa. [Riu-se. Um riso como que de descrédito]. Acho que ninguém jamais vai entender. – E se calou. Ficara em silêncio por longo instante. ─ Posso fumar aqui?
─ Aqui você pode fazer o que bem quiser, já disse. Sinta-se a vontade.
─ E hoje, aquela criança é a única coisa com que me importo. Mas me sinto culpado... O que fui na vida dela, um erro? Apenas isso: um erro? Eu não queria que ela tivesse morrido... [A voz embargou, o choro subia-lhe à garganta. Respirou fundo olhando o teto]. Ela fugia de mim feito o diabo da cruz! Me faz odiar quem sou. Daria a minha vida para que ainda estivesse viva. Qual a lógica desse mundo?
─ Culpa? Sente culpa, Heitor? Qual foi seu pecado?
─ Existir. Encontrar ela, ser o azar da vida dela. Tê-la atrapalhado o tanto que atrapalhei. Talvez ela ainda estivesse viva.
─ Deve ser infernal pensar assim. Você não se diverte?
─ Como assim?
─ Sabe, sua vida me parece um lixo! Eu também iria querer morrer. A existência deve ser muito barata mesmo: que desperdício!
─ Está me julgando?
─ Estou pensando em voz alta. Não sou seu terapeuta e nem Deus pra resolver o seu problema. Se espera isso de mim é melhor ir embora. Se tenho algo a te oferecer, saiba: é contra a minha vontade, minha existência já é um fardo considerável.
─ Me divertir...? Como assim?
─ Sabe... A vida é uma bosta ou está uma bosta?
─ Por que é que pressinto a chegada de um xeque-mate nessa sua fala...?
─ Deve ser o seu sentido paranoico.
─ Saimon, uma vez você me disse “o outro está que se dane pra você! O único outro que deve se importar com a sua vida é aquele que você projeta de si; aquele que te adula ou te destrói”.
─ Se disse, já não é meu. Aonde você quer chegar?
─ Você não se sente sozinho?
[Outro silêncio imperou]
─ Veja, Heitor: e se Twain estiver certo? E se a existência for só um pensamento? E se, e se, e se? E se?
─ E outra vez também me disse “ajo como a água que escorre da montanha: desvio dos obstáculos buscando o melhor caminho; se não consigo contornar, transbordo, mas não paro, porque parar é morte! E sou vida!”. Sabe Saimon, queria ser como você, queria ser vida...
─ Queria?
─ É. Queria. Mas, escolhemos o que desejar? Escolhemos o querer?

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