─ A única mulher
que amei de verdade me traiu. Nunca me amou. Apenas me usou para tentar
esquecer aquele que ela julgava ser o grande amor da sua vida desde os tempos
da mais tenra adolescência. Me deixou um filho desse cara quando resolveu amar
de verdade uma outra pessoa. [Riu-se. Um riso como que de descrédito]. Acho que
ninguém jamais vai entender. – E se calou. Ficara em silêncio por longo
instante. ─ Posso fumar aqui?
─ Aqui você pode
fazer o que bem quiser, já disse. Sinta-se a vontade.
─ E hoje, aquela
criança é a única coisa com que me importo. Mas me sinto culpado... O que fui
na vida dela, um erro? Apenas isso: um erro? Eu não queria que ela tivesse
morrido... [A voz embargou, o choro subia-lhe à garganta. Respirou fundo
olhando o teto]. Ela fugia de mim feito o diabo da cruz! Me faz odiar quem sou.
Daria a minha vida para que ainda estivesse viva. Qual a lógica desse mundo?
─ Culpa? Sente
culpa, Heitor? Qual foi seu pecado?
─ Existir.
Encontrar ela, ser o azar da vida dela. Tê-la atrapalhado o tanto que
atrapalhei. Talvez ela ainda estivesse viva.
─ Deve ser
infernal pensar assim. Você não se diverte?
─ Como assim?
─ Sabe, sua vida
me parece um lixo! Eu também iria querer morrer. A existência deve ser muito
barata mesmo: que desperdício!
─ Está me
julgando?
─ Estou pensando
em voz alta. Não sou seu terapeuta e nem Deus pra resolver o seu problema. Se espera
isso de mim é melhor ir embora. Se tenho algo a te oferecer, saiba: é contra a
minha vontade, minha existência já é um fardo considerável.
─ Me
divertir...? Como assim?
─ Sabe... A vida
é uma bosta ou está uma bosta?
─ Por que é que
pressinto a chegada de um xeque-mate nessa sua fala...?
─ Deve ser o seu
sentido paranoico.
─ Saimon, uma
vez você me disse “o outro está que se dane pra você! O único outro que deve se
importar com a sua vida é aquele que você projeta de si; aquele que te adula ou
te destrói”.
─ Se disse, já
não é meu. Aonde você quer chegar?
─ Você não se
sente sozinho?
[Outro silêncio
imperou]
─ Veja, Heitor:
e se Twain estiver certo? E se a existência for só um pensamento? E se, e se, e
se? E se?
─ E outra vez
também me disse “ajo como a água que escorre da montanha: desvio dos obstáculos
buscando o melhor caminho; se não consigo contornar, transbordo, mas não paro,
porque parar é morte! E sou vida!”. Sabe Saimon, queria ser como você, queria
ser vida...
─ Queria?
─ É. Queria. Mas,
escolhemos o que desejar? Escolhemos o querer?
Nenhum comentário:
Postar um comentário